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O entendimento dos princípios de captura faz diferença no desempenho

A prática de pintura de objetos pequenos ou grandes em cabines de pintura com cortinas de água é muito comum em nosso parque industrial. Dependendo do tamanho do objeto que está sendo pintado o over-spray, isto é, a fração do volume total de tinta que não fica sobre a superfície da peça pode ser um valor elevado. Este over-spray pode não só influir na qualidade da pintura por permanecer no recinto da cabine um tempo maior do que o aceitável, como também causar poluição atmosférica se escapar para o ambiente externo. Neste post, descrevo alguns aspectos básicos da captura de over-spray, procurando auxiliar aquele que têm esta operação sob sua responsabilidade.

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A Figura 1 mostra de forma simplificada os componentes básicos de uma cabine de pintura com cortinas de água. Os índices representam: [1] a pistola de pintura, [2] escoamento do ar externo na face de entrada da cabine, [3] objeto sendo pintado, [4] perfil do escoamento do ar e do over-spray no interior da cabine, [5] cortina de água, [6] fresta com lâmina de água, [7] reservatório de coleta da água, [8] chuveiros, [9] eliminador de gotas, [10] escoamento do ar pelo ventilador (não mostrado) e deste para atmosfera, [11] extrator de borra sobrenadante ou sedimentada, [12] retorno de água para alimentação de chuveiros e cortina de água, [13] saída da borra.

A pistola de pintura [1] emite uma névoa de gotículas da suspensão em que se encontra o pigmento em geral na forma de um cone ou de um filme aproximadamente plano. A energia para a formação da névoa de gotículas é fornecida por ar comprimido ou pela própria pressão da bomba de alimentação da suspensão. Uma porção desta névoa adere à superfície do objeto sendo pintado e o restante projeta-se para dentro da cabine constituindo o que se chama de “overspray”. O escoamento do ar externo na face de entrada da cabine [2] possui uma velocidade média inferior àquela com que a névoa de gotículas deixa o bico da pistola de pintura. Assim, as gotículas de overspray ao se depararem com uma massa de ar que se desloca para o interior da cabine em uma velocidade inferior à sua sofrem uma desaceleração e no limite tenderiam a uma velocidade praticamente igual à da corrente de ar. O quanto a velocidade das gotículas de overspray se reduzirá depende da profundidade da cabine. Quando as cabines são muito curtas observa-se que o turbilhonamento da corrente de ar na parte superior da cabine que pode gerar retorno de gotículas para a face de entrada da cabine saindo para o interior do recinto e também se depositando sobre o objeto sendo pintado [3], gerando imperfeições na pintura do mesmo. O Industrial Ventilation¹ recomenda relações entre as dimensões largura, altura e profundidade e também velocidades para a corrente de ar na face da cabine de pintura que em conjunto impediriam o retorno do overspray, protegendo assim o operador dos efeitos tóxicos da tinta sobre o sistema respiratório e sobre a pele. A distribuição de velocidades e tamanhos das gotículas da névoa de tinta ao deixar o bico da pistola não é uniforme, assim, ao chegarem às proximidades da cortina de água [5], algumas terão energia suficiente para romper a tensão superficial da água da cortina entrando no interior do meio líquido, sendo então capturadas e removidas da fase gasosa. O escoamento do ar com o overspray [4] no interior da cabine tem um perfil de velocidades com uma componente vertical, pois toda esta corrente gasosa deverá passar pela fresta [6]. As gotículas da névoa de tinta que por seu tamanho ou velocidade não penetraram no interior da cortina, ao passarem pela fresta [6], recebem o impacto de uma lâmina de água descendente que em princípio as removeria da fase gasosa. Todavia, nesta região, a lâmina de água apresenta instabilidades e algum material particulado passa também para o lado da coluna com chuveiros [8] que termina praticamente de removê-los.

A coluna com chuveiros aspersores tem como finalidade principal remover o solvente da suspensão de tinta que se volatilizou no processo por absorção. Os chuveiros devem gerar gotas pequenas o suficiente de maneira para a vazão aspergida o total da área superficial disponível permita uma taxa de massa absorvida que deixe a concentração do ar nos padrões admissíveis de emissão atmosférica. A definição da vazão de circulação de água nos chuveiros, bem como o tamanho de gotas a ser gerado nos aspersores é função da solubilidade do solvente em água sem ou com aditivos (absorção com reação química) e da concentração residual do solvente na água. É importante lembrar que uma quantidade muito significativa do solvente fica agregado superficialmente com o pigmento do overspray facilitando a sua remoção da fase gasosa.

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O overspray assim removido é coletado no reservatório de coleta de água [7]. A concentração de solvente na água deste reservatório é determinante para a eficiência do sistema. A Figura 2 mostra uma curva de equilíbrio entre as concentrações de solvente na água (X) e no ar (Y) por exemplo medidas em mols/cm³. Embora o processo de absorção que ocorre nos chuveiros tenha uma dinâmica onde as concentrações de solvente no ar e na água não estejam em equilíbrio ele nos ensina aspectos importantes deste fenômeno. Na figura 2, a título de exemplo, indica-se com linha tracejada horizontal a concentração média de solvente no ar da coluna [Yar]. Duas situações são apresentadas, a situação [1] mostra o caso aonde a concentração de solvente na água é [X1] que pela curva de equilíbrio resulta numa correspondente concentração de solvente no ar [Y1] < [Yar], neste caso o solvente que esta no ar é absorvido pela água. Na situação [2] a concentração de solvente na água é [X2] que pela curva de equilíbrio resulta numa correspondente concentração de solvente no ar [Y2] > [Yar] e neste caso o solvente que esta na água volta para o ar. Ou seja, a água do reservatório [7] deve ser continuamente purificada para manter a concentração de solvente em um nível tal que a absorção do solvente no ar sempre ocorra.

Manter a concentração de pigmentos e solvente na água do reservatório de coleta em um valor que sempre promova a absorção e mantenha a incrustação de borra em quantidade razoável durante as limpezas nem sempre é tarefa fácil. Um primeiro aspecto que deve ser considerado refere-se à geometria do tanque, em geral composto por uma caixa paralelepipédica de ângulos vivos com alimentação da água pelos chuveiros e cortina e retorno em um dos cantos. Na totalidade dos casos o escoamento de água em seu interior é caótico e com áreas de estagnação significativa onde a borra se acumula desprendendo o solvente a ela agregado novamente para a corrente de ar. O arredondamento dos cantos e a inserção de chicanas de orientação de fluxo de água em seu interior reduzem sobremaneira as zonas de estagnação além de possibilitar uma varrição hidráulica da borra removendo-a para o extrator de borra [11]. Outro fator importante a considerar é o fato dos pigmentos sempre apresentarem zonas eletricamente ativas que possibilitam seu adensamento em grumos ou flocos que reunidos podem coagular formando uma borra sobrenadante ou sedimentada. Para tal são adicionados à agua produtos químicos que vão fazer com que o material particulado coagule com um pH determinado. A faixa de controle do pH da água do reservatório de coleta [7] para o particular produto químico utilizado pode ser estabelecida a partir de um estudo do Potencial Zeta da suspensão (ver coluna Ponto Crítico de Fevereiro de 2012, QD Nº 518). A borra coagulada é então removida [13] pelo extrator de borra [11] e a água é recirculada para a cabine [12].

Uma atenção a mais deve ser dada para a razão entre a vazão de ar na coluna dos chuveiros e o tamanho das gotas. Pelo seu pequeno tamanho a velocidade de descida das gotas em relação às paredes da coluna dos chuveiros será a diferença entre a velocidade terminal da gota e a velocidade média do ar na seção transversal da coluna. Como a distribuição do tamanho das gotas geradas não é uniforme uma fração será arrastada com a corrente de ar podendo desbalancear o ventilador de exaustão, por isso a presença de um eliminador de gotas [9] se faz necessário. Quando o arraste é severo e os ajustes de vazão já tiverem sido feitos pode-se considerar a utilização de chicanas antes do eliminador de gotas que promovam um zig-zag da corrente de ar de maneira a pegar gotas maiores. Finalmente se a corrente de ar enviada para a atmosfera [10] ainda contiver solvente em concentração acima do permitido esta devera passar por uma torre de adsorção para ajuste da concentração final de solvente.

Procuramos neste número alertar o leitor que dispõe de cabines de pintura com cortinas de água em seu processo produtivo dos fundamentos destes sistemas de maneira a contribuir para a melhoria de operação. No próximo mês abordaremos aspectos das cabines secas.

Para saber mais recomendo:
a) United States Patent Office 2.739.903 Mar 27 1956 Paint Killer;
b) Control Measures Guide. Spray Paint Operations. Humam Resources Canada;
c) Industrial Ventilation – ACGIH – section 10-78 / 10-83.

Fonte: Prof. Dr. Cláudio Roberto de Freitas Pacheco – Engenheiro Mecânico, doutor em engenharia e Sócio-Diretor da GR Engenharia – Meio Ambiente, foi pesquisador do IPT-SP e professor de graduação e pós-graduação da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo